A emenda constitucional que criou o teto para o incremento do gasto público (EC 95) foi uma das principais reformas implementadas pelo governo Michel Temer. A partir de sua aprovação, em dezembro de 2016, as despesas primárias do governo federalista (excluindo os juros da dívida), podem crescer, no supremo, a variação da inflação do ano anterior.
Os principais objetivos desta Emenda Constitucional foram reduzir a incerteza quanto à capacidade do país de honrar seus compromissos financeiros e forçar o governo a escolher entre as diferentes opções de programas e políticas públicas, ou seja, aquelas consideradas prioritárias para a definição do Orçamento Federalista.
Com a introdução de um teto para o incremento do gasto público, o aumento dos gastos obrigatórios determinados pela legislação, principalmente salário dos funcionários públicos, aposentadorias e renúncias tributárias, forçou o governo a reduzir os gastos discricionários, diminuindo o montante de recursos destinados à manutenção da máquina pública, aos investimentos e à implementação de políticas voltadas para o bem-estar da população, que não fazem troço dos gastos obrigatórios.
A figura subalterno mostra o comportamento dos gastos obrigatórios e discricionários desde a aprovação da EC 95. Enquanto esse tipo de gasto caiu 23%, os obrigatórios subiram 3,3%, em termos reais. Há um limite para a contenção de despesas via redução de gasto discricionário. E esse limite chegou. O resultado é que o foco no controle das despesas se transfira dos gastos discricionários para os gastos obrigatórios, o que atende a um dos principais objetivos da EC 95: forçar o governo a definir prioridades no processo orçamentário.
Diante desse cenário, só existem duas saídas possíveis: flexibilizar o teto ou reduzir os gastos obrigatórios. A flexibilização poderia ser feita por dois caminhos. Ou permitir que alguns tipos de gastos, uma vez que os investimentos, sejam retirados do teto ou que o limite seja aumentado para gerar espaço para aumentar os gastos não obrigatórios.
A segunda via é reduzir os gastos
obrigatórios, “furar o pavimento”, uma vez que diz o Ministro Paulo Guedes. Neste caso, o
primeiro passo seria assinar a PEC 438/2018 (Regra de Ouro) que cria gatilhos
automáticos a serem acionados logo que a Regra de Ouro estiver próxima de ser
rompida. Porquê esta regra já foi rompida em 2019 e o será novamente em 2020, os
gatilhos serão acionados maquinalmente, logo que a PEC for aprovada.
Caso efetivamente a PEC passe pelo Senado, será necessário fazer uma reforma administrativa que reduza os gastos com funcionalismo público, desvincule e desindexe gastos hoje direcionados a determinados setores e reduza as renúncias tributárias. Em conjunto, estes gastos correspondem a 94% do totalidade das despesas do governo federalista.
Neste contexto, a prelo tem noticiado a
existência de um intenso movimento de grupos dentro e fora do governo com o
objetivo de flexibilizar o teto, o que seria bastante negativo para a
firmeza e o incremento do país nos próximos anos.
Ainda que, pelo menos no incidente atual, as
pressões foram contidas, com o Presidente da República declarando que seria um
“furo no casco do transatlântico”, novas pressões irão surgir no horizonte
próximo, na medida em que as restrições orçamentárias se tornem ainda mais
restritivas.
O objetivo deste relatório é investigar as possíveis consequências para a economia brasileira de uma flexibilização do teto dos gastos, seus riscos e quais as opções para o governo.
Entendendo o mercado da dívida pública
Nesta seção, descrevemos de forma simples e sucinta o funcionamento do mercado de dívida pública. Em outras palavras, quais os principais determinantes das taxas de juros pagas pelo governo para financiar sua dívida. O gráfico subalterno mostra, de forma simplificada, uma vez que funciona nascente mercado. No eixo nivelado, temos a evolução da relação dívida/PIB do país e no eixo vertical a taxa de juros paga pelo governo para colocar esta dívida no mercado.

As linhas azuis (oferta) mostram a menor
taxa de juros que os investidores estão dispostos a concordar para financiar a
dívida pública. Porquê a relação dívida/PIB é o melhor indicador de solvibilidade do
país, quanto maior esta relação, maior a verosimilhança de insolvência da
dívida, e maior é a menor taxa de juros que os investidores estão dispostos a
concordar para financiar a dívida. Dito de outra forma, uma vez que o preço dos títulos
tem comportamento inverso às taxas de juros, quanto maior a relação dívida/PIB
menor é o maior preço que os investidores estão dispostos a remunerar para comprar
papéis do governo. Neste sentido, podemos expor que esta é a oferta de recursos
para financiar a dívida pública.
A posição destas funções depende da
credibilidade do país. Para cada nível da relação dívida/PIB, quanto menos
crível o país, quanto mais os investidores desconfiam de que o país não
conseguirá honrar seus compromissos, maior é a menor taxa de juros que eles
estão dispostos a concordar para financiar sua dívida. Países uma vez que os Estados
Unidos ou países da Zona do Euro, que têm mais credibilidade diante dos
credores porque têm um longo histórico de cumprimento de suas obrigações
contratuais, pagam taxas de juros menores para cada nível da relação dívida/PIB
do que países com menos credibilidade uma vez que a Argentina, por exemplo, que está
sempre às voltas com problemas de solvibilidade.
As linhas laranja (demanda) mostram a maior
taxa de juros que o governo está disposto a remunerar para financiar sua dívida.
Ou, alternativamente, as linhas mostram o menor preço que o governo está
disposto a concordar para vender seus títulos. Quanto maior a relação dívida/PIB
menor (maior) é a maior taxa de juros (menor preço) que o governo está disposto
a concordar para financiar sua dívida. Em outras palavras, estas são as funções
de demanda por recursos por troço do governo para financiar sua dívida.
Obviamente, não observamos estas funções no
mundo real. O que observamos são os pontos de interseção, que são o resultado
dos leilões de títulos do governo. Ou seja, a cada leilão, o governo oferece
uma determinada quantidade de títulos a determinados preços (taxa de juros). Os
investidores fazem suas ofertas e o governo aceita ou rejeita. O leilão
continua até que se chegue a um preço de firmeza. Portanto, os resultados
dos leilões semanais realizados pelo Tesouro são as taxas de juros que igualam
a oferta e a procura por dívida pública a cada momento.
O gráfico subalterno mostra a evolução da taxa média de juros paga pela dívida pública brasileira entre 2013 e 2019. São os pontos de interseção das curvas de oferta e demanda por recursos para financiar a dívida pública.
O período pode ser dividido em duas partes, 2013/2015 e 2016/2019. Entre 2013 e 2015, a evolução da taxa média de juros paga pelos títulos do governo seguiu a mesma tendência da relação dívida/PIB. Um aumento da relação dívida/PIB (ou seja, da verosimilhança de insolvência) é escoltado de aumento da taxa de juros média da dívida pública.
A partir de 2016, esta relação é rompida. A partir deste ano, aumentos na relação dívida/PIB têm sido acompanhados por redução da taxa média de juros da dívida. O que gerou esta mudança?

EC 95 e a incerteza quanto à verosimilhança de insolvência
Dois fatores parecem ter sido fundamentais
para gerar esta mudança de comportamento. Primeiro, o impeachment da Presidente
Dilma Rousseff, que reduziu as incertezas em universal. Oriente efeito aparece
claramente no início do ano de 2016, quando as taxas de juros atingem o auge. O
segundo fator foi o envio para o Congresso da PEC do teto do gasto. Note que o
movimento de descolamento entre a taxa de juros e a relação dívida/PIB se
intensifica a partir de julho, quando o governo envia ao Congresso a PEC do
teto do gasto público.
A queda da taxa de juros ocorre, apesar de
a relação dívida/PIB continuar a aumentar. Ou seja, apesar do aparente aumento
da verosimilhança de insolvência, os investidores continuam a exigir títulos
públicos brasileiros em quantidade cada vez maior.
A questão é que, ao limitar o incremento
das despesas, a EC 95 reduz a incerteza quanto à evolução da relação dívida/PIB
no horizonte. Porquê pela EC 95 as despesas somente podem crescer a inflação do ano
anterior e o incremento das receitas está diretamente relacionado ao
incremento do PIB, esta passa a ser a única variável a ser estimada para que
seja provável antecipar o comportamento da relação dívida/PIB. Se a previsão é
de incremento real positivo, as receitas vão crescer mais que as despesas (que
são constantes em termos reais), o que, eventualmente, transforma um déficit
primitivo em superávit e gera uma redução da relação dívida/PIB.
No caso concreto do Brasil, uma vez que a despesa
primária do governo mediano corresponde sobre 20% do PIB, se o teto for
obedecido, a cada 1 p.p. de incremento do PIB por ano a relação entre as
despesas primárias e PIB cai 0,2 p.p.
Ou seja, a EC 95 tornou provável estabelecer
com bastante precisão uma vez que irá se comportar nascente indicador, reduzindo as
incertezas e facilitando a tomada de decisões por troço dos investidores. O
resultado é a queda das taxas de juros pagas pela dívida pública brasileira.
A queda da taxa de juros ocorre apesar de a
relação dívida/PIB continuar a aumentar. Em outras palavras, apesar do aparente
aumento da verosimilhança de insolvência, os investidores continuam a exigir
títulos públicos brasileiros em quantidade cada vez maior. Parece uma
irracionalidade. Entretanto, uma vez que a reversão deste aumento da relação
dívida/PIB é uma questão de tempo, desde que a economia eventualmente entre em
trajetória de incremento sustentável, passa a ser lucrativo comprar os títulos
do governo brasiliano agora, que estão baratos, e vender no horizonte, quando os
preços deverão aumentar devido à redução da verosimilhança de insolvência. Com
isto, os preços sobem e as taxas de juros caem, antecipando a queda da relação
dívida/PIB.
Estes movimentos das taxas de juros podem
ser entendidos a partir do gráfico apresentado supra. No período 2013/2015, o
movimento dos juros indica que a curva de demanda por recursos (laranja) se
deslocou sistematicamente para a direita e para cima, devido ao aumento do
déficit primitivo. O governo mediano estava adotando uma política fiscal
expansionista. Muito provavelmente a curva de oferta (azul) também se deslocou
para cima e para a esquerda, mas o movimento mais importante foi do lado da
demanda. O governo estava cada vez mais leniente com o firmeza fiscal.
A partir de 2016, primeiro com o
impeachment da Presidente Dilma Rousseff e depois com a EC 95, a curva de
oferta de recursos (azul) se deslocou sistematicamente para reles e para a
direita, ou seja, o país ficou mais confiável para os investidores. Com isto, a
menor taxa de juros demandada (o maior preço ofertado) por eles para comprar os
títulos públicos brasileiros caíram (aumentaram), mesmo com o aumento da
relação dívida/PIB. Sem incerteza, houve um deslocamento da curva de demanda para
a esquerda, devido ao possante ajuste fiscal que está sendo executado desde 2016,
mas o movimento mais possante foi da curva de oferta de recursos.
Dois pontos adicionais merecem menção no
gráfico supra. Primeiro, é o possante aumento da taxa de juros no início de 2018,
em resposta ao aumento da volatilidade internacional e desvalorização cambial
devido ao início da guerra mercantil entre os Estados Unidos e a China. Tal
movimento pode ser representado por um deslocamento momentâneo das curvas de
oferta de recursos (azuis) para cima, com perda de credibilidade.
Entretanto, ao contrário de outros
episódios do gênero, desta vez o aumento da taxa de juros foi rapidamente
revertido, apesar da guerra mercantil ter se intensificado, o que mostra que,
depois um primeiro impulso negativo, os investidores reafirmaram o proveito de
credibilidade obtido pelo país. Sem a EC 95, teria sido difícil manter a credibilidade.
O segundo ponto importante é a queda
abrupta da taxa de juros em julho de 2019. Segundo nossa avaliação, nascente
movimento se deve à aprovação da Novidade Previdência em primeiro vez na Câmara
dos Deputados. Porquê a aprovação desta reforma é fundamental para dar
sustentabilidade ao teto dos gastos, sua aprovação reduz a verosimilhança de
insolvência e aumenta a credibilidade do país.
Diante destes resultados, uma flexibilização do teto dos gastos teria o efeito inverso ao mostrado supra, ou seja, reduziria a credibilidade do país frente aos credores, deslocaria a curva de oferta de recursos para financiar a dívida pública brasileira e, uma vez que consequência, geraria um aumento das taxas de juros. Porquê entre 2013 e 2019 a dívida passou de 55% do PIB para 78% do PIB, o movimento poderia ser ainda mais intenso que no período 2013/2015. É difícil prezar a intensidade deste movimento, mas certamente seria na direção de juros muito mais elevados.
EC 95 e a dinâmica orçamentária
O segundo ponto importante a ser evidenciado
é o efeito da EC 95 sobre a dinâmica do processo orçamentário. Com a aprovação
da EC 95 a definição de prioridades se tornou o ponto focal da discussão sobre
orçamento público no país. Ao contrário do pretérito, quando primeiro se aprovava
o orçamento e depois ia-se buscar uma vez que financiá-lo, seja via aumento de trouxa
tributária, seja via redução do superávit ou aumento do déficit primitivo, seja
via aceleração da inflação, hoje a discussão é onde o gasto terá de ser desunido
para dar espaço a gastos mais meritórios.
Dada a força das corporações,
principalmente mas não unicamente dos funcionários públicos, e dos interesses
envolvidos na distribuição de recursos do orçamento, a primeira reação foi
trinchar os gastos discricionários, incluindo os investimentos. Entretanto, estes
cortes têm limites. E o limite chegou no orçamento de 2020. O nível de gastos
discricionários e de investimentos chegou a tal ponto que ameaço o próprio
funcionamento do governo. Daí a ofensiva para flexibilizar o teto para o
incremento do gasto público.
Porém, esta ofensiva somente mostra que a
EC 95 está sendo efetiva no sentido de forçar a sociedade a discutir que gastos
são prioritários no orçamento público e o que deve ser desunido. Ao contrário de
simplesmente aumentar os gastos e depois buscar o financiamento, a EC 95 força
que a discussão seja feita no momento em que o orçamento está sendo discutido
no parlamento.
Neste sentido, uma vez que as emendas parlamentares
são gastos discricionários, elas competem com os gastos obrigatórios na
definição das prioridades orçamentárias o que gera um grande incentivo entre os
deputados para reduzir os gastos obrigatórios e liberar recursos para
implementar suas emendas. Exatamente por esta razão, a verosimilhança de que a
PEC que muda a Regra de Ouro seja aprovada no congresso é muito elevada. Esta
PEC cria gatilhos automáticos de redução dos gastos obrigatórios sempre que a
Regra de Ouro está prestes a ser rompida.
Flexibilizar o teto do gasto coma dívida pública atingindo 80% do PIB e crescente, seria um invitação à instabilidade. Do ponto de vista da discussão da seção anterior, teríamos uma perda de credibilidade e mais leniência fiscal, com consequente deslocamentos da curva de demanda por recursos para a direita e da curva de oferta de recursos para a esquerda. É difícil saber se as taxas de juros iriam voltar para a trajetória anterior, e atingir níveis próximos aos atingidos no pretérito recente, se iriam parar no meio do caminho ou gerar um overshooting. Mas, certamente, teríamos uma reversão da trajetória de queda que vigora desde o impeachment da Presidente Dilma Rousseff.
Desfecho
A Emenda Constitucional 95, que cria o teto
para o incremento do gasto público, é uma revolução no que se refere à
tradicional forma de tratar o orçamento no Brasil. Com ela, quando os gastos
chegam perto do teto, o país tem de escolher quais projetos poderão ser
financiados pelo orçamento público. Oriente é exatamente o caso do Brasil neste
momento.
Nos dois primeiros anos de vigência da EC
95, as discussões se concentraram na alocação de recursos dentro do teto dos
gastos e o aumento dos gastos obrigatórios e vinculados foram compensados por
quedas nos gastos discricionários e dos investimentos. Entretanto, o nível
destes gastos chegou a tal ponto que, no orçamento de 2020, será impossível
manter determinadas funções do governo sem reduzir gastos obrigatórios e
vinculados ou sem flexibilizar o teto. Oriente é o debate.
O país vai ter de escolher entre
flexibilizar o teto do gasto ou reduzir os gastos obrigatórios, principalmente
funcionalismo público, aposentadorias e vinculados, uma vez que subsídios e concessões
para grupos privados e determinadas regiões do país.
O problema é que flexibilizar o teto do
gasto com uma dívida pública atingindo 80% do PIB e crescente, seria um invitação
à instabilidade. Certamente, teríamos uma reversão da trajetória de queda das
taxas de juros que vigora dede o impeachment da Presidente Dilma Rousseff e que
foi intensificada com a aprovação do Teto.
A experiência recente da Argentina mostra que, em países com longa tradição de déficits fiscais elevados e episódios relativamente recentes de insolvência financeira, ter leniência com o firmeza fiscal é receita para o sinistro. A adoção do teto para o incremento do gasto público no Brasil deu fôlego e tempo para o país fazer o ajuste fiscal. Mas mudar o teto antes de ter promovido o ajuste, seria uma mostra de leniência dificilmente plausível pelos investidores.
A suposição de que um aumento de gastos públicos geraria aumento do incremento do PIB, via aumento de demanda, é no mínimo, incerta e, muito provavelmente, incorreta. A flexibilização do teto necessária para aumentar os gastos discricionários e os investimentos produziria queda de credibilidade, aumento do prêmio de risco, redução dos preços dos títulos da dívida do país e aumento das taxas de juros.
O efeito líquido seria provavelmente negativo sobre a atividade. Oferecido o saliente nível da dívida do país e a recente experiência da Presidente Dilma Rousseff que elevou os déficits primários, gerou possante aumento na relação dívida/PIB com consequente aumento das taxas de juros e uma brutal recessão, o mais provável é que nascente experimento nos levaria de volta à recessão.
(Texto produzido pela Equipe Macro da Genial Investimentos, formada pelo economista-chefe, José Márcio Camargo, e os economistas Tiago Tristão e Eduardo Ferman)